RESISTÊNCIA AOS ANTIBIÓTICOS E O PAPEL DAS NUVENS
A resistência aos antibióticos é um dos principais problemas de saúde pública da atualidade. O uso indiscriminado e repetido dessas substâncias, ou seja, quando mal administradas, fazem com que as bactérias se tornem resistentes ao tratamento. Essa resistência é de tal ordem que a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou, em 2018, que, em breve, poderíamos nos encontrar sem nenhuma arma eficaz contra as bactérias patogênicas mais comuns. Presume-se que a resistência aos antibióticos cause mais de um milhão de mortes a cada ano. E esse problema, lamentavelmente, pode ser multiplicado por dez antes de 2050, segundo especialistas. O mais preocupante é que essa resistência pode passar de uma espécie de bactéria para outra, transmitindo os genes necessários para essa resistência.
Um recente estudo sobre o tema, publicado em março de 2023 na revista “Science of the Total Environment” por pesquisadores da Laval University (Canadá) e da Clermont Auvergne University (França), sugere que essa transmissão genética pode ocorrer a distâncias muito longas por causa das nuvens. Os pesquisadores fizeram essa descoberta estudando nuvens na região de Puy-de-Dôme (França), graças a um laboratório especializado no estudo das nuvens, localizado a 1.465 metros de altitude. Foram separadas “partes” de 12 nuvens que passaram por este local entre setembro de 2019 e outubro de 2021. Amostras foram analisadas para procurar bactérias e genes de resistência a antibióticos. De um total de 33 genes pesquisados, encontraram 29, parte dos quais estava presente na maioria das nuvens estudadas (75%). Segundo os autores, este é o primeiro estudo a mostrar que as nuvens carregam genes de resistência a antibióticos de origem bacteriana em concentrações comparáveis a outros ambientes naturais.
Essas bactérias vivem na superfície da vegetação ou do solo, podem ser aerossolizadas pelo vento ou atividades humanas, e algumas podem subir na atmosfera e participar da formação de nuvens. Em média, cada nuvem continha cerca de 8.000 bactérias por mililitro de água e mais de 20.000 cópias de genes de resistência a antibióticos por mililitro de água. Essa concentração é cerca de 100 vezes menor que a encontrada em rios e lagos, mas maior que a dos oceanos. Os autores especificam que a concentração real nas nuvens é menor, porque essa água está diluída no ar. As nuvens que chegaram do Oceano Atlântico (ou seja, que passaram a maior parte de 72 horas no mar) tinham principalmente genes de resistência contra quinolonas, antibióticos que já não são amplamente utilizados na Europa; portanto, poderiam ter vindo de outros continentes. Dessa forma, o estudo mostrou que bactérias resistentes aos antibióticos foram descobertas nas nuvens, viajando com o vento, às vezes por distâncias muito longas, mostrando que elas podem, realmente subir na atmosfera.