Academia Paraibana de Medicina

INTOXICAÇÃO DIGITAL

Para o filosofo Aristóteles “a arte imita a vida”, na novela “Travessia”, a autora
Glória Perez aborda com Theo (Ricardo Silva) um problema que atinge a muitos
jovens: o vício na internet. Alguns poderiam dizer que seria uma caricatura ou
um exagero na forma que a situação é apresentada, mas infelizmente é apenas
a ponta de um iceberg de um problema bem maior chamado intoxicação digital.
A Intoxicação digital é um termo que se refere aos efeitos negativos do uso
excessivo e descontrolado da tecnologia em nossas vidas. Esse problema além
de atingir adultos, afeta crianças e adolescentes como no caso da novela. Na
pediatria, é importante estar ciente dos perigos da intoxicação digital, suas
repercussões e das medidas que podem ser tomadas para prevenir as
consequências.
O uso excessivo de dispositivos eletrônicos cada vez mais frequente no cotidiano
da crianças e adolescentes, como smartphones, tablets e videogames, pode ter
um impacto extremamente negativo na saúde física, mental e comportamental
das crianças. O uso constante desses dispositivos pode levar desordens físicas
de visão, miopia, fadiga ocular e dores de cabeça, ou transtornos de ordem
mentais como ansiedade, depressão, déficit de atenção, hiperatividade ou
problemas comportamentais como irritabilidade, cansaço excessivo, baixa
autoestima, sobrepeso, obesidade, anorexia, bulimia, falta de sono, problemas
de concentração, riscos da sexualidade, nudez, abuso sexual, estupro virtual;
comportamentos autolesivos, riscos de suicídio, aumento da violência, abusos e
fatalidades podem estar correlacionados ao uso em demasia.
Dados da pesquisa TIC KIDS ONLINE – Brasil (2018), realizada pelo Cetic.br/NIC.br5,
revelam que 86% das crianças e adolescentes brasileiros, entre 9 e 17 anos, estão
conectados, o que corresponde a 24,3 milhões de usuários da internet. Posse de perfil
em redes sociais é referida por 82% do total da amostra. Cerca de 20% dos participantes
do levantamento relataram contato com conteúdo sensível sobre alimentação ou sono;
16% com formas de machucar a si mesmo; 14% com fontes que informam sobre modos
de cometer suicídio; 11% com experiências com o uso de drogas. Além disso, cerca de
26% foram tratados de forma ofensiva (discriminação ou cyberbullying); e 16% relataram
acesso às imagens ou vídeos de conteúdo sexual. Outros 25% assumiram não
conseguir controlar o tempo de uso, mesmo tentando passar menos tempo na internet.
Lembro ainda a expectativas de avanço da geração digital com o crescente
acesso a informações disponíveis e que vem se apresentando justamente ao
contrário do esperado! As evidências falam por si: já há um tempo que testes de
QI (Quociente de Inteligência) têm apontado que as novas gerações são menos
inteligentes que anteriores. O acesso ao mundo digital tem criado atalhos dentro
do cérebro que limitam a imaginação e Einstein já sentenciava que” a imaginação
é mais importante que o conhecimento”.
Para prevenir a intoxicação digital em crianças, é importante estabelecer limites
claros para o uso de dispositivos eletrônicos. Os pais devem incentivar seus
filhos a brincar ao ar livre, com amigos e familiares, e a participar de atividades
físicas e sociais. Além disso, é importante limitar o tempo que as crianças
passam em dispositivos eletrônicos e monitorar de perto o conteúdo que elas
acessam na internet.
Para ajudar os pais nessa tarefa, a Sociedade Brasileira de Pediatria destaca:
Evitar a exposição de crianças menores de dois anos às telas, mesmo que
passivamente; Limitar o tempo de telas ao máximo de uma hora por dia, sempre
com supervisão para crianças com idades entre dois e cinco anos; Limitar o
tempo de telas ao máximo de uma ou duas horas por dia, sempre com
supervisão para crianças com idades entre seis e 10 anos; Limitar o tempo de
telas e jogos de videogames a duas ou três horas por dia, sempre com
supervisão; nunca “virar a noite” jogando para adolescentes com idades entre 11
e 18 anos; Para todas as idades: nada de telas durante as refeições e
desconectar uma a duas horas antes de dormir; Oferecer como alternativas:
atividades esportivas, exercícios ao ar livre ou em contato direto com a natureza,
sempre com supervisão responsável; Criar regras saudáveis para o uso de
equipamentos e aplicativos digitais, além das regras de segurança, senhas e
filtros apropriados para toda família, incluindo momentos de desconexão e mais
convivência familiar; Encontros com desconhecidos online ou off-line devem ser
evitados; saber com quem e onde seu filho está, e o que está jogando ou sobre
conteúdos de risco transmitidos (mensagens, vídeos ou webcam), é
responsabilidade legal dos pais/cuidadores; Conteúdos ou vídeos com teor de
violência, abusos, exploração sexual, nudez, pornografia ou produções
inadequadas e danosas ao desenvolvimento cerebral e mental de crianças e
adolescentes, postados por cyber criminosos devem ser denunciados e retirados
pelas empresas de entretenimento ou publicidade responsáveis.
Os pais também podem ajudar a prevenir a intoxicação digital em crianças
incentivando a leitura de livros e outras atividades criativas. Essas atividades
podem ajudar a desenvolver habilidades importantes, como a criatividade, a
imaginação e a resolução de problemas. Além disso, a leitura de livros pode
ajudar a melhorar a concentração e a memória das crianças.
Por fim, “Precisamos Falar Sobre o Kevin” é um filme onde os pais negligenciam
o comportamento do filho que foge ao padrão e traz consequências dramáticas.
Infelizmente, a exemplo do filme, muitos pais negligenciam ou não dão a devida
importância ao tema. Tal negligencia é agravado com crescente terceirização
dos filhos para celulares que as deixam “aparentemente calmas e entretidas”
com suas “babas eletrônicas” e que trará consequências gravíssimas na
interação, empatia e comunicação! Repercutindo na diminuição da qualidade e
quantidade das interações intrafamiliares que foram essenciais para o
desenvolvimento da linguagem, emoções e comportamento social. Dessa forma,
precisamos de uma reflexão sobre o tema antes que percamos o “Kevin”.

 

Claudio Orestes Britto Filho